Onde usar o onde? Ou será aonde?

06/06/2013 19:21

Onde usar o onde? Ou será aonde?

Por Fernanda Colcerniani

Na língua portuguesa existem diversas dúvidas quanto ao uso do português padrão, alguns desvios já se tornaram tão corriqueiros que os falantes da língua nem conseguem mais distinguir a fala padrão da fala coloquial. Dentre tantas dúvidas, uma muito recorrente é quanto à utilização do “onde” e a confusão que se faz com o “aonde”. “Onde” se tornou uma espécie de termo de ligação entre frases e é utilizado em qualquer expressão, além, claro, de raramente percebermos no uso cotidiano da língua a distinção entre “onde” e “aonde”.

“Onde/aonde nós estamos”? “Para aonde/onde nós vamos”? De acordo com “A nova gramática do Português contemporâneo” de Celso Cunha e Lindley Cintra, o “onde” pode ser um pronome relativo e nesse caso, exerce a função sintática de adjunto adverbial de lugar (p.342), ou um advérbio interrogativo de lugar (p.531). A confusão maior ocorre em relação ao uso do pronome. O “onde” tem sido empregado no lugar de “que, cujo, quando, no qual”. No entanto o uso correto é muito mais simples do que se imagina. “Onde” indica a ideia de lugar real, portanto deve ser utilizado apenas quando existir a ideia de lugar fixo. Já que o pronome “onde” indica sempre a ideia de lugar, é óbvio que a sua função sintática irá corresponder a de um adjunto adverbial de lugar, conforme descreveram Cunha e Cintra na referida gramática. Esse pronome possui o mesmo valor de “em que”, então, sempre que possível basta trocar um pelo outro.

Ouvimos a todo o momento as pessoas dizerem: “onde eu moro é muito longe” ou então “alguém viu onde guardei as minhas meias?”. Esses são exemplos de frases que utiliza o pronome “onde” de forma correta. Quer uma prova? Primeiramente, quem mora, mora em algum lugar, temos então a constatação de que a ideia que a frase pretende transmitir é a de um lugar físico. Em seguida para confirmar o uso correto do pronome, pode-se trocar o “onde” pelo “em que”, nesse caso a frase ficaria assim: “o lugar em que eu moro é muito longe.” O mesmo valerá para o segundo exemplo. Quem guarda alguma coisa, guarda em algum lugar, portanto, constatamos novamente a ideia de lugar, em seguida fazemos a troca do pronome “onde” pelo “em que”, logo teremos: “alguém viu em que lugar guardei as minhas meias?” Nos dois casos analisados percebemos que a ideia de lugar remete para a própria palavra “lugar” implícita na frase. Contudo, em outros usos do pronome pode-se facilmente perceber que o lugar é explícito e específico. Observe a frase: “Há cidades onde se vive muito bem”. Nesse exemplo nota-se claramente que o lugar físico existente são as “cidades”, logo o pronome “onde” se refere ao substantivo antecedente. Se trocarmos “onde” pelo “em que” teremos uma frase de igual valor: “Há cidades em que se vive muito bem”. É importante ressaltar, no entanto, que todo pronome “onde” equivale-se ao “em que”, mas nem todo “em que” pode ser substituído por “onde”. Para que não haja equívocos, a troca do “onde” por “em que”, deve ser feita quando de fato a referência for um lugar.

Contudo, o uso do “onde” vai além do seu alcance. Outro dia vi em um site de relacionamentos um cidadão que fez o seguinte comentário: “O filme onde o Brad Pitt trabalhou como vilão...” Bem, temos aqui uma forma equivocada da utilização do pronome em questão. Perceba que “filme” não corresponde a um lugar físico e o pronome “onde”, como já dito anteriormente, é utilizado exclusivamente nos casos que o substantivo antecedente ao pronome fizer referência a um local. O correto seria: “O filme no qual Brad Pitt trabalhou como vilão...” Não é necessário analisar casos tão complexos quanto o que foi citado acima, a desmedida utilização do “onde” segue construções mais simples, por exemplo, em frase que a ideia é de tempo ou de posse e não de lugar. A todo o momento se escuta construções do tipo: “O ano passado foi onde eu conheci a Maria”. Ora, quando a relação exprimida na frase é de tempo, como no exemplo citado, o pronome relativo adequado é “quando” ou “em que”. Sendo assim, a maneira correta de falar a frase seria: “O ano passado foi quando eu conheci a Maria”.

Como já não bastasse a confusão feita com o pronome “onde”, temos também o “aonde” para travar ainda mais a língua dos falantes do português. A confusão ocorre porque o “aonde” também faz referência a um lugar, contudo, o verbo regente vai sempre exigir a preposição “a” ressaltando uma ideia de movimento. No caso da utilização do “aonde” podemos trocá-lo pelo pronome de igual valor “para onde”, perceba que a indicação é de movimento. No entanto, é comum ouvirmos as pessoas dizerem: “Onde você vai?” ou “voltei onde eu estava”, nesses exemplo percebe-se que os verbos “ir” e “voltar” transmitem a ideia de movimento, portanto, deve-se usar o pronome “aonde”. Na dúvida basta trocar pelo “para onde”, veja: “Para onde você vai?” ou “voltei para onde eu estava”.

A língua portuguesa não exime os seus falantes de sua complexidade, sendo assim é comum que a fala vá se adequando à necessidade de seus usuários. Se existe dois pronomes que vão ser usados para referir-se a ideia de lugar, é normal que um seja tomado pelo outro. No caso analisado a diferença para a utilização do “onde” ou do “aonde” trata-se apenas de um “a” ou de um pequeno movimento. “Onde” para locais fixos, “aonde” para a ideia de movimento para um local.

Se a gramática é tão minuciosa na hora de criar as regras da língua, a língua em si mesma não segue o mesmo padrão. Quem determina o melhor uso em todos os casos são os falantes e esses vão seguir a regra do uso mais simples. A tendência na fala é a comunicação rápida e objetiva, por isso é natural que as palavras sofram uma espécie “encurtamento”, ou seja, vão sendo ajustadas pelos falantes. No caso do uso de “onde” e “aonde” é natural que o “aonde” perca a sua função na língua coloquial, já que, a diferença de pronuncia entre os dois é tão pequena, além disso, a distinção feita hoje, não existia na língua clássica.  A confusão do uso dos dois pronomes não se restringe apenas a fala. Na literatura e em várias composições musicais percebemos a confusão na hora do uso, todavia, o sentido e a beleza das obras não são comprometidos pelo uso equivocado dos pronomes.

 

Bibliografia

 

CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley (1985). Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

 

CAMARGO, Thaís Nicoleti de. “O uso do onde requer muita atenção”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/noutraspalavras/ult2675u2.shtml. Acesso em: 15/09/2011

 

NETO, Pasquale Cipro.  Uso das palavras onde e aonde. Disponível em:  https://www2.tvcultura.com.br/aloescola/linguaportuguesa/sintaxe/usodaspalavras-onde-aonde.htm. Acesso em 15/09/2011